Ao contrário de boa parte dos filmes contemporâneos, Batem à porta traz no título um sujeito indefinido. O verbo, conjugado na primeira pessoa do plural, fica evidente, mas o agente de sua ação permanece em segredo. Afinal de contas, quem bate à porta? Uma primeira leitura, mais óbvia, seria aquela que a trama do próprio …
Valparaíso, abismo entre luz e sombras
A câmera começa numa pelada de futebol, mas logo vai para uma colina. De repente chega o mar, as ondas, os peixes. Então surgem os corpos dos pescadores e as escadarias intermináveis. É tudo muito concreto, mas também muito abstrato. O olho encontra o horizonte, mas nem sempre é capaz de perfurá-lo. Aquilo que nos …
60 filmes de 2022
Esse ano quis fazer uma lista diferente. Não é um simples ranqueamento, como nos anos anteriores (ver aqui as de 2020 e 2021) é uma divisão em 10 partes de 60 filmes que me tocaram ao longo dos últimos 12 meses. Algumas ressalvas são importantes, a primeira delas é que definitivamente não fui capaz de …
Perder Jean-Luc Godard
Acordar em um mundo sem Godard é acordar em um mundo sem mistério. É acordar em um mundo sem enigmas. É mais que perder uma parte de nós, é perder uma parte do outro. Se perdêssemos os cineastas que amamos, perderíamos como a um ente querido: se perdêssemos Wenders, Costa, Eastwood ou Ferrara iria-se também …
Na bacia das almas
Tem um elemento que me parece ter sido deixado de lado nas análises de Crimes do Futuro (David Cronenberg, 2022), que é o andar de Viggo Mortensen — o flâneur, o rastejar, o circuito do corpo. De todas as imagens do último filme de Cronenberg, aquela que se apresenta em maior condição de permanência é …
Uma mercadoria maldita
Recentemente, vi o último filme de Gastón Duprat (co-dirigido com Mariano Cohn). Chama-se Competição Oficial (2021), estrelado por Antonio Banderas e Penélope Cruz e exibido com pompas no último Festival de Veneza. Acho curioso como cada vez mais esse tipo de movimento é recorrente, como um cineasta latino-americano com uma linguagem minimamente acessível à grande …
Contornar o incontornável – 80 filmes dos Anos 80
As listas propostas para a votação da Cinefilia Brasileira, organizadas pelo Pedro Lovallo, conjugam sempre um desafio considerável. Antes de mais nada, considero refletir toda minha trajetória cinéfila até encontrar um meio-termo. Fazer uma lista é um exercício de vaidade, de construção de pensamento e de narrativa cuja ordem dos filmes desencadeia. Já pensei muito …
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Dez menos um: apontamentos sobre Licorice Pizza
1. O grande trunfo de Paul Thomas Anderson é como escala seus atores. E principalmente os atores que escala. Sean Penn, Tom Waits, Maya Rudolph, Bradley Cooper, Benny Safdie, John Michael Higgins, Harriet Sansom, Joseph Cross e, finalmente, Alana Haim e Cooper Hoffman. Todos eles com tiques e adereços particulares, caracterizações muito específicas que funcionam, …
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Até nunca mais – 50 filmes de 2021
Antes de começar, algumas certezas do ano de 2021: certamente, foi o mais difícil de uns tempos para cá. No que diz respeito ao assistir cinema e no que diz respeito à vida. Durante os últimos 12 meses, minha média de filmes decaiu imensamente, fruto (talvez) de um cansaço em relação ao resguardo, de um …
No campo das paixões
No fim de tudo, há de restar um beijo. Este beijo poderia estar em um plano celeste composto por Douglas Sirk, por Fassbinder, por Murnau ou até por John Ford. Mas está em um plano de Lana Wachowski. Um plano de Matrix Resurrections. E devemos respeitar isso, seu desejo de sê-lo. O ano é 2021 …