Bem, uma lista será sempre uma lista: pessoal e intransferível. Mutável, impermanente, destoante. Não sobrevive ao tempo, ao gosto, aos olhares. Nunca. Jamais.
O que listo aqui, acima de tudo, são possibilidades. Possibilidades para um cinema brasileiro em curta-metragem. Possibilidades que vi (e falo só do que vi – na internet, em festivais, via links, mostras etc -, pois sei de muita coisa que não vi e espero ainda ver e que cá poderia também estar).
Dito isso, digo mais nada. Deixo os filmes falarem por si só. Pois de fato falam, rosnam, dançam, fazem barulho. São filmes para se conviver. Um guia de sobrevivência, um manual de revolução (ou contra-revolução). Uma ideia, um manifesto. Nem isso. Ou quase. Enfim e ao fim: possibilidades.

- Na Missão, Com Kadu (Aiano Bemfica, Kadu Freitas e Pedro Maia de Brito, 2016)
Uma imagem pode transformar.
- Élégie à Rimbaud (Leo Pyrata, 2011)
O cinema como experiência de afeto, a morte como comprovação do real.
- Fantasmas (André Novais Oliveira, 2010)
É o filme que muda tudo, que vira o jogo. Uma noite feliz em um país que deu certo, uma noite errada em um coração ferido. Tudo que Bazin imaginava que o cinema poderia ser. Imagens (d)e fantasmas.
- Enquadro (Lincoln Péricles, 2016)
Tudo que o cinema brasileiro pode ser.
- Retrato N. 1 Povo Acordado e Suas Mil Bandeiras (Edu Iatri Ioschpe, 2013)
Será o fim da mise-en-scène? O trailer do Brasil temporada 2010-2019.
- Ruína (Gabraz Sanna, 2016)
Sobre como uma voz é um corpo, como um corpo é um símbolo, como a poesia é um cântico. Esse filme é sobre tudo o que um plano pode (não) oferecer, sobre como o mundo nos cerca, nos retumba. Me faz lembrar como o cinema é um gesto lindo.
- Sem Título #1 – Dance of Leitfossil (Carlos Adriano, 2014)
“Apesar do Bis, não repetir”. O fim do amor é o fim da imagem.
- A Chinesa de Riad (Leonardo Amaral e Roberto Cotta, 2018)
Chorar, renascer. Reinventar as distâncias que existem no amor e no melodrama pela ótica pessoal do dispositivo. É o Douglas Sirk da era do selfie, o Fassbinder do brasileiro comum.
- Sete Anos em Maio (Affonso Uchôa, 2019)
Um sonho, um pesadelo. Ou quando Bernardet escreve sobre Tarumã (1975) dizendo que o oprimido só pode ser enquadrado pelo gesto mínimo do cineasta. Filme em escala de pesadelo, em tom de confissão, literal até a última dor do osso.
- Permanências (Ricardo Alves Jr., 2011)
Tudo o que os rostos podem ser. Cinema sobre como os espaços são materializados pela eternidade das pessoas, sobre o que um plano pode oferecer como duração, perduração. Permanecer no tempo, em tudo que é efêmero e surge da alma.
- Swinguerra (Bárbara Wagner e Benjamin de Burca, 2019)
Straub-Huillet versão blaxploitation.
- Intervenção Jah (Daniel Santos e Welket Bungue, 2019)
Um corpo a destruir as correntes, o movimento como forma de antecipação, de libertação, de resistência. Rufem os tambores.
- Conte Isso Àqueles Que Dizem Que Fomos Derrotados (Aiano Bemfica, Camila Bastos, Cristiano Araújo, Pedro Maia de Brito, 2018)
Uma imagem pode transformar?
- A Festa e os Cães (Leonardo Mouramateus, 2015)
Cinema de playground. Como a vida vira filme e os filmes viram nossa vida. A comprovação mais certeira de que a imagem é memória e a história é imagem. Cães latindo e jovens bêbados, poucas coisas são mais sinceras que isso.
- Landscape (Luiz Rosemberg Filho, 2017)
Cinema de guerra. Rosemberg transforma as fagulhas e restos de imagens em gestos de bombardeio. As deforma como um cântico poderoso, há poesia e há barulho, há a morte e há o sofrimento. Tudo isso se refaz historicamente, eternamente, no processo mundano. Poucos filmes talvez tenham sido mais sujos e, ao mesmo tempo, mais escapatórios: “landscape”. Entender que o expurgo é um local de segurança, de abrigo, e que as imagens abrigam também nossas resistências. A subversão da guerra existe, e nela habita o corpo humano. O chacoalhamos com nossa manufatura, deitados nas trincheiras, escrevendo poesia.
- Maldição Tropical (Luisa Marques, Darks Miranda, 2016)
Manifesto antropofágico. O que é um país senão um símbolo? O que é um país senão um mapa? O que é um país senão um limite? E, dentro dos símbolos, mapas e limites, tudo torna-se estranho, vira fagia, retroalimentação: retrodestruição. Objeto voador identificado, a luz do céu: Brasil.
- Quintal (André Novais Oliveira, 2015)
A Biblioteca de Babel no pátio de casa, em que o universo se expande em todas as direções: esquerda, direita, para cima, para baixo, para dentro. A definição mais perfeita de quebra de expectativa do que o banal e o periférico pode oferecer. Imagens a expandir.
- Pouco Mais de Um Mês (André Novais Oliveira, 2013)
A prova de que o amor e a dor são duas faces da mesma moeda: o cotidiano.
- Tremor (Ricardo Alves Jr., 2013)
Cavalo de guerra para dias de hospícios (ou o que a ficção pode oferecer para o mundo real). Elon Rabin segue um personagem tremendo.
- Mundo Incrível Remix (Gabriel Martins, 2014)
O cinema que se pode fazer no quintal de casa. (E como o mundo pode estar no quintal de casa).
- Cuauhtémoc (Leo Pyrata, 2012)
Anti-filme para uma anti-tela. Tratado sobre como as imagens podem brigar e se aniquilar.
- Carta de Interesse (Lincoln Péricles, 2014)
Quando alguém fala de pluralidade no cinema brasileiro (ou a prova de que ouvir é mais importante que falar).
- Nunca é Noite no Mapa (Ernesto de Carvalho, 2016)
Redescobrir os caminhos.
- Mauro em Caiena (Leonardo Mouramateus, 2012)
Fazer da saudade brincadeira de parquinho. Incrível como tudo em Mouramateus pode ser riso e diversão, gesto e expressão, para além de todas as outras camadas da vida.
- Quando Elas Cantam (Maria Fanchin, 2019)
Exercício de altruísmo. O lugar do documentarista é a sensibilidade.
- Erivaldo, O Astronauta Místico (Gurcius Gewdner, 2013)
Definição de porralouquismo atualizada.
- NoirBLUE (Ana Pi, 2018)
Habitar todos os espaços.
- 4000 Disparos (Jonathas de Andrade, 2010)
A guerra tem rosto de homem, a vida tem rosto de homem, o mundo tem rosto de homem. Todos os homens são maus.
- SuperRio Superficções (Antoine Guerreiro do Divino Amor, 2019)
Quando foi que o cinema deixou de ser uma colagem?
30. Travessia (Safira Moreira, 2015)
Árvore genealógica do mundo.
2 respostas para “Um manifesto, nem isto – 30 curta-metragens brasileiros da década (2010-2019).”