Ideias para o futuro, indicações do Levante

Desde que encerrei a cobertura da Mostra de Tiradentes que não escrevo nada por aqui. Muitas vezes, o processo crítico esgota nossas forças e torna muito difícil seguir em frente, principalmente após um marasmo de filmes e textos durante um período de tempo muito curto. Às vezes faltam palavras, ou falta mesmo o que dizer. A ideia é conseguir voltar a escrever com alguma recorrência, voltar a falar sobre curtas brasileiros, sobre filmes interessantes, dar uma cutucada na chatice que foi/têm sido o Oscar deste ano. Enfim. Mas hoje, escrevo para deixar algumas indicações aos leitores do site sobre o que de mais interessante vai ser exibido no Levante – Festival de Curtas-Metragens de Pelotas, que é co-dirigido por este que aqui vos fala. De maneira alguma, o intuito é colocar outros filmes em detrimento destes. A ideia geral é apenas apontar alguns caminhos de quem teve a possibilidade de observar cada uma dessas obras ganhar espaço e fôlego através dos olhos de nossos curadores. Apenas lembrando, o festival começa hoje, às 19h, no site do Levante (www.levantecinema.com), e fica no ar até segunda-feira, também às 19h.

Antes de tudo, queria começar indicando os filmes de Felipe André Silva. Ainda devo um texto sobre todos eles para o catálogo do festival, mas isso é um assunto para depois. Talvez até republique ele por aqui, inclusive. Se houvesse uma indicação dentro de um panorama tão especial que suas obras apresentam, diria para o espectador se aventurar nas duas primeiras sessões, a de hoje e a de amanhã. Passou (2020), seu último filme, e Feliz Ano Novo (2015) estão em cartaz agora. Quem quiser acompanhar já sabe o caminho. E poderá também se debruçar em dois filmes que são quase complementares. Um leva ao outro, direta e indiretamente. Apesar de separados por cinco anos entre o período de suas realizações, são obras que demarcam uma gama de personagens muito particulares ao cinema do Felipe e que reforçam o que de mais interessante e conciso seus filmes apresentam, uma sensação de troca, conversa e afeto que emerge de um estilo de cinema bastante incomum por essas bandas. Feliz Ano Novo é um filme de tropeços, mas é só por que ele existiu que poderemos presenciar uma hecatombe como Passou, filme que gruda na jugular do coração e não solta nunca mais. Coisa rara passar ileso. A outra indicação fica por conta da dobradinha Um Filme de Cinema (2020, inédito) e Santa Monica, seu primeiro longa, gravado inteiramente com um celular. Apesar das circunstâncias técnicas, ambos são filmes extremamente caseiros, com um ar de cinema do possível. As duas obras são também um passeio, viagem pelo interior e pelo exterior de seu realizador, seja nas ideias rápidas e dilacerantes que brotam do confinamento ou mesmo de um viagem pela cidade do Recife. Dois filmes corajosos, programá-los juntos é uma aventura considerável.

Já nas duas sessões competitivas (Animada e Levante), as indicações ficam por conta dos filmes descobertos no processo de curadoria: As Canções de Amor de Uma Bicha Velha, A Escola É Nossa!, Rebolation e Quarta: Dia de Jogo são pedidas muito curiosas para visitar um cinema escondido. Apenas um deles já recebeu um holofote maior, os outros ainda estão aí para serem devidamente vistos. Principalmente A Escola É Nossa!, filme que relata a urgência de um cinema que dobra qualquer risco para ser feito, e que está tão sujeito ao acidente que, curiosamente, se torna uma obra-prima. Considero um filme perdido e que, por sorte, conseguimos jogar luz. Não perderia por nada. Já na Mostra Animada, minhas sugestões seriam Tandem, Vento Viajante, Subnews e A Inveja de Cleber e Um Cigarro no Banheiro. O primeiro pela ironia, o uso espalhafatoso dos bonecos, as situações de desconforto, o gozo interrompido. Desde a primeira vez que minha companheira Victória apresentou-me ao filme, fiquei atordoado. Os outros se tornam curiosos pelo processo de realização: um deles ficou escondido como um projeto universitário até encontrar sua primeira exibição; outro, fora feito por uma turma de estudantes do Ensino Fundamental – cinema de base, de partilha, conjuntural e infantil no sentido mais bonito da palavra – e o último é o resultado definidor de um pai que, ao juntar-se a seu filho com necessidades especiais, vê no cinema uma fuga para um mundo possível.

Por fim, sugeriria que o leitor não deixasse passar três filmes da Mostra Paralela: Filme de Domingo, uma guinada muito interessante na obra de Lincoln Péricles; Comboio Para Lua, exercício de afeto e saudade dos mais interessantes no cinema brasileiro recente e Não Se Pode Abraçar Uma Memória, que dá a tônica dos selecionados aliando a reflexão sobre o cinema com os efeitos da prática de fazê-lo em um estado puro de isolamento. Termino principalmente falando deste filme feito por Pedro Tavares, porque, assim como ele e as imagens que são trazidas à tona, também permaneço no desejo de um dia poder encontrar o Levante em uma sala lotada, recheada de pessoas, de ideias, de suspiros e emoções. Pois fazer um festival ganhar vida é um trabalho inimaginável, e a gratificação de lançar ideias para um possível cinema do futuro, com novas caras, rostos e imagens, também. Mal vejo a hora de encontrá-las numa sala escura, no seu devido lugar.

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