Gostaria de ter dado ao Ecrã o tempo que ele merece, mas o tempo é uma brincadeira de mau gosto. Se eu pudesse recomendar alguma coisa para que se assista nas últimas horas que restam deste exímio festival, diria para dar uma chance a Condor (Kevin Jerome Everson, 2019) e Senhor Jean-Claude (Guillaume Vallée, 2021). Curiosamente, dois cineastas que costumam lidar com o tato do cinema. Isto é, que tem nos seus filmes a prática da feitura intimamente ligada com o resultado do que se vê em tela. Talvez pouca coisa no cinema experimental seja mais belo que isso, o resultado da intersecção no mundo. Justamente porque pouca coisa é tão capaz de deflagrar a intervenção da luz na superfície, seus efeitos mais diretos e abstratos, e comprovar assim, quase que de maneira empírica, a existência da imagem. Cinema é ciência. E vice-versa.
Aliás, dois filmes para aprender a crer. Dois filmes para se relacionar com o mundo. Em Condor, Kevin Jerome Everson usa o 16mm para filmar um eclipse lunar e capturá-lo em negativo. Em Senhor Jean-Claude, Guillaume Valée encontra fotogramas surrados do trailer de Desafio Mortal, filme que Jean-Claude Van Dame dirigiu em 1996. O que existe em comum nestes filmes é o aquilo que interliga toda a história do cinema, o movimento. Em Condor, o movimento é dos planetas, das esferas. Em Senhor Jean-Claude, da anatomia. Mas em qualquer um dos dois o que se sobressai é esse ínterim de vai-e-vem e vem-e-vai. O que permanece é a repetição, e o que essa repetição é capaz de revelar da natureza tanto do mundo quanto do cinema.
Condor é quase um filme de polos, do negativo ao positivo e vice-versa. Começa no claro, surge o eclipse, migramos ao escuro e assim retomamos às cores iniciais. Dia e noite, ciclo da vida. Senhor Jean-Claude pede que esse exercício se repita mas de uma forma ligada ao desmonte da iconoclastia. Desfazer o ator, o lutador, desfazer Jean-Claude Van Damme, chegar apenas até seus músculos, seus rastros, sua captura. Fazê-lo sucessivamente. Usar sua voz, suas falas e seus golpes. Torná-lo irreconhecível pela repetição. Consagrá-lo na duração, emoldurá-lo no movimento, para que se desfaça e reconstrua novamente até onde seja possível. Cinema é ciência. Cinema é movimento. E tanto Condor quanto Senhor Jean-Claude são das melhores experiências de alquimia que este Ecrã proporcionou.
Um pouco sobre revelar o real daquela luz da lua de Everson que se enxerga na película. Não o real porque o real existiria para além daquele plano, mas o real porque a luz na superfície de captura pode comprovar que há cinema. Que existe imagem. Que existe morfologia. Cinema, experiência exata. Fabricada por dois cientistas da imagem, que planejam no plano uma resposta àquilo que sobra desta captura, deste contato de moléculas e partículas que ficam no ecrã. E que demonstram da vida a graça do acontecimento pela magia da captura. Filmes para sonhar. E renascer junto com eles.
Por Rubens Fabricio Anzolin
Filmes vistos no 5° Festival Ecrã