Acordar em um mundo sem Godard é acordar em um mundo sem mistério.
É acordar em um mundo sem enigmas.
É mais que perder uma parte de nós, é perder uma parte do outro.
Se perdêssemos os cineastas que amamos, perderíamos como a um ente querido: se perdêssemos Wenders, Costa, Eastwood ou Ferrara iria-se também uma parte de nós.
Já perder Godard é um pouco mais que isso: é como perder o pai, perder o dono, perder o continente todo que segura nossos pés.
Um pedaço duro e maciço de terra que deixa de estar lá.
É mais que perder um sentimento, é perder um pedaço do mundo.
É perder a estrutura, perder o futuro, perder a bússola.
Perderemos não só o criador como também a própria criatura.
Ter Godard entre nós era ter aquela segurança de que algo nos fazia companhia. Como o filho que dorme protegido por saber que o pai está no quarto ao lado.
Mesmo que não tivéssemos a compreensão exata nem das perguntas e muito menos das respostas que ele nos dava.
O importante é que estava ali – que respirava ainda o nosso ar.
Perder Godard é perder o professor, é perder o que ainda tinha a nos ensinar. É saber que não mais poderemos recorrer aos seus pensamentos, que não mais estará lá para salvar-nos das dúvidas – ainda que nunca tenha sido essa sua intenção.
Perder Godard é perder um pedaço da História. É mais que perder os filmes de Godard (ainda que os filmes sobrevivam), mas é perder o pensamento de Godard (ainda que os textos também sobrevivam). É saber que não poderemos mais colocar nas listas de fim de ano nem suas obras e nem seus futuros projetos.
Perder Godard é como que perder uma novidade. É como se o mais jovem dos cineastas tivesse partido, muito antes de hora.
O maior em luz e o maior em sombra. O cineasta de todos os tamanhos.
Hoje foi-se não apenas Jean-Luc Godard como foi-se também uma parte da montagem, uma parte da poesia, uma parte das manchas da obra de arte.
Foi-se não porque o sujeito partiu, mas porque não poderá mais voltar.
Jean-Luc Godard vai agora brincar de signo com as estrelas, vai criar música nas nuvens.
Nunca pensei que chegaria o dia – mesmo que soubesse que chegaria: Jean-Luc Godard est mort.
Nenhum de nós é ainda capaz de entender o real significado dessa frase.
Muito menos do cometa que acaba de encerrar sua passagem pelo planeta terra.
Merci, JLG.
(1930 – 2022)
Por Rubens Fabricio Anzolin